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Posts Tagged ‘Morte’

Enterro

Passava a mão delicadamente pelo velho vestido. Seus olhos estavam molhados, o passado jorrava, como a água da torneira. Ela se levantou, olhou através da janela as crianças, ainda estavam lá. O tempo estava se abrindo, o sol brilhava com alguma timidez, mas não para ela. Voltou ao canto do quarto, o aparelho de som ligou, primeiro não compreendia qual era a música, o volume começou a aumentar gradativamente e o que antes era quase um ruído tornou-se compreensível, era uma velha marchinha de carnaval, cujo nome não vinha à cabeça.

Transbordava-se em passado. Estava imóvel já fazia algum tempo. Despiu-se, olhou seu corpo refletido no espelho. Começou acariciá-lo, quando passava as mãos pelos seios percebeu entre eles um furo. Penetrou-o com seu dedo indicador, que indicava qual a profundidade do buraco. A música mudou, agora ressoava uma guitarra estridente. Uma chuva forte começou. Agora já havia colocado a mão inteira dentro de si. Ouviu um grito cortante. Ficou estática.

A sirene soou, no chão do quarto estava o corpo já morto. Enfim, mais um enterro para irmos. 

 

(lyard)

 

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todos os dias

avançamos

sobre o fim,

e isso é só uma condição

– imutável –

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(para José Saramago, no dia do seu encerramento)

Morreu uma árvore
não uma árvore qualquer,
daquelas que o nascimento foi datado
mais por intuição do que por certificado

Árvore que frutificou com alguns anos passados
mas não passou
não em branco

Seus frutos carregados de sementes
pouco tinham das formas que se esperavam
das frutas tradicionais

Com um gosto novo
essas frutas inauguraram,
depois de alguns bons embates,
um novo sabor

Um sabor sem regras antes vistas,
mas que venceu paladares exigentes
(não o dos conservadores, melhor assim)

Morreu uma árvore,
mas o gosto de seus frutos
continua
disposto a saciar novos e velhos paladares.

(lyard)

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Flui a água comungando com a vontade do garoto

Flui a água comungando com o calor do garoto


Ele está sentado observando tudo,

os campos outrora verdes agora não são mais nada


Seu pai trazia junto de si a enxada, o sorriso no rosto,

os olhos perdidos com um quê de cansaço, mas sempre com o

carinho que é típico, característico e obrigatório aos pais


O garoto sente a água que flui junto ao campo

tal como o sangue que fluiu junto ao corpo de sua mãe

no dia em que ela lhe deu a luz,

o sangue de sua mãe,

o último sangue que ela sangrou.


(Lyard)

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